domingo, 16 de outubro de 2016

Ó, estes publicitários!



A conjugação das palavras e das imagens é essencial para construir a imagem de uma marca e garantir a sua comunicação e difusão. A chamada publicidade criativa e o cuidado com o design das embalagens predominam numa sociedade em que, para além de se valorizar as características do produto, se procura, acima de tudo estetizar a comunicação das marcas, torná-la mais atraente para o público. As exigências do mercado cada vez mais concorrencial e de um consumidor disponível para o que é diferente fazem com que se tenha vindo a desenvolver um processo de hibridização entre o comercial, a moda e a arte. Por outro lado, a admiração das pessoas pelas obras de arte, uma admiração superficial e simplista, é certo, e que tem por objeto principal a arte clássica, tem-se acentuado, como revelam os números de visitantes a museus por essa Europa fora. Nesse sentido, não é de admirar – antes pelo contrário – que os criativos recorram a imagens de arte clássica para dar um toque estético mais sério às embalagens ou à publicidade das marcas. Porém, nem sempre essa adaptação é feita de forma adequada, seja porque os próprios designers têm lacunas importantes no que à compreensão do significado das imagens diz respeito, seja porque contam com a falta de conhecimento do público em relação à arte.
Vem esta reflexão a propósito da utilização de um detalhe da pintura Judite e Holofernes da autoria de Caravaggio no rótulo de frascos de molho orgânico de tomate e cogumelos. Quem não conhecer a totalidade da obra, apenas fica com a ideia de que se recorreu a uma figura feminina de uma pintura clássica como forma de diferenciar o produto em causa. O problema está quando se vê o quadro completo e se percebe que aquela figura se insere numa cena bíblica particularmente violenta, em que Judite vinga os atos de Holofernes contra o seu povo. A escolha desta figura deixa-me várias interrogações: com tantas figuras femininas em obras clássicas, porquê selecionar esta especificamente? Será pelo facto do pintor ser italiano? Mas o que não falta são pintores italianos no século XVII e noutros! Por outro lado, parece-me evidente que a associação de ideias entre a degolação e o molho não é certamente a melhor. Será que ninguém pensou nisso? Nenhum dos criativos leu Barthes (“A retórica da imagem”, pelo menos!) para perceber as características da imagem e a importância dos significados denotativo e conotativo?
A vontade de estetizar as imagens das marcas tem os seus exageros e absurdos. Este é um deles.


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