sábado, 29 de outubro de 2016

A extensão das marcas


Recentemente, Cristiano Ronaldo inaugurou o primeiro de uma cadeia de hotéis associados à sua marca CR7 e o “Continente” lançou um plano de saúde. São dois exemplos da tendência de marcas de grande dimensão extravasarem das suas áreas de negócio originais e se projetarem noutras como forma de beneficiarem da notoriedade alcançada. As grandes marcas invadem novos domínios, diversos daqueles em que tiveram origem, dessa forma alargando o seu campo de legitimidade. 

domingo, 16 de outubro de 2016

Ó, estes publicitários!



A conjugação das palavras e das imagens é essencial para construir a imagem de uma marca e garantir a sua comunicação e difusão. A chamada publicidade criativa e o cuidado com o design das embalagens predominam numa sociedade em que, para além de se valorizar as características do produto, se procura, acima de tudo estetizar a comunicação das marcas, torná-la mais atraente para o público. As exigências do mercado cada vez mais concorrencial e de um consumidor disponível para o que é diferente fazem com que se tenha vindo a desenvolver um processo de hibridização entre o comercial, a moda e a arte. Por outro lado, a admiração das pessoas pelas obras de arte, uma admiração superficial e simplista, é certo, e que tem por objeto principal a arte clássica, tem-se acentuado, como revelam os números de visitantes a museus por essa Europa fora. Nesse sentido, não é de admirar – antes pelo contrário – que os criativos recorram a imagens de arte clássica para dar um toque estético mais sério às embalagens ou à publicidade das marcas. Porém, nem sempre essa adaptação é feita de forma adequada, seja porque os próprios designers têm lacunas importantes no que à compreensão do significado das imagens diz respeito, seja porque contam com a falta de conhecimento do público em relação à arte.
Vem esta reflexão a propósito da utilização de um detalhe da pintura Judite e Holofernes da autoria de Caravaggio no rótulo de frascos de molho orgânico de tomate e cogumelos. Quem não conhecer a totalidade da obra, apenas fica com a ideia de que se recorreu a uma figura feminina de uma pintura clássica como forma de diferenciar o produto em causa. O problema está quando se vê o quadro completo e se percebe que aquela figura se insere numa cena bíblica particularmente violenta, em que Judite vinga os atos de Holofernes contra o seu povo. A escolha desta figura deixa-me várias interrogações: com tantas figuras femininas em obras clássicas, porquê selecionar esta especificamente? Será pelo facto do pintor ser italiano? Mas o que não falta são pintores italianos no século XVII e noutros! Por outro lado, parece-me evidente que a associação de ideias entre a degolação e o molho não é certamente a melhor. Será que ninguém pensou nisso? Nenhum dos criativos leu Barthes (“A retórica da imagem”, pelo menos!) para perceber as características da imagem e a importância dos significados denotativo e conotativo?
A vontade de estetizar as imagens das marcas tem os seus exageros e absurdos. Este é um deles.


domingo, 9 de outubro de 2016

O museu-espetáculo



O Museu de Arquitetura, Arte e Tecnologia (MAAT) é o mais recente exemplo em Portugal de um novo tipo de museu: o museu-espetáculo. Caracterizado pela arquitetura arrojada, é acima de tudo um lugar de recreação destinado às massas, não mais um lugar de recolhimento e elevação espiritual como eram os museus da primeira modernidade. É, aliás, significativo que, para lá de algumas referências a artistas que terão as suas obras ali expostas, o que mais foi enaltecido através dos media tenha sido a sua
arquitetura, os espaços abertos ao público em geral e a paisagem que se pode desfrutar a partir do museu.
Além disso, trata-se de um espaço que se integra nas mais recentes tendências do marketing urbano. Tal como sucedeu com o museu Guggenheim de Bilbao, também o MAAT se pretende estabelecer como lugar emblemático ao nível global, desse modo contribuindo para a consolidação da imagem de marca de Lisboa como destino turístico.

A IKEA e o novo consumidor



Na capa do catálogo da IKEA podemos ler a máxima “Criado para pessoas, não para consumidores”. Com este slogan, a empresa sueca revela a vontade de satisfazer o gosto e as necessidades do indivíduo real, em vez de sugerir artigos destinados a um consumidor abstrato, ou seja, uma construção do marketing. É um conceito interessante vindo de uma marca que massifica o consumo, mas que está atenta ao processo de individualização, melhor, de personalização do consumidor que se acentuou com a pós-modernidade.
O novo consumidor libertou-se de constrangimentos que vinham do passado, como os hábitos e tradições impostas pela posição social, e tornou-se, segundo Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, “errático, nómada, volátil, imprevisível, fragmentado e sem regras”, isto é, “um sujeito que faz zapping e é descoordenado” (A Cultura-Mundo). Por isso, o consumidor é agora cada vez menos catalogável de acordo com definições padronizadas, destacando-se pela individuação das escolhas que faz em função de critérios subjetivos. Tal não significa que seja um consumidor mais seguro daquilo que quer, antes pelo contrário. Atingido a todo o momento pela publicidade, pelos apelos ao consumo e com tanta diversidade de opções, este consumidor está mais desorientado do que nunca. Assim, a máxima da IKEA inscrita na capa do catálogo, ao mesmo tempo que sublinha a singularidade dos seus produtos, procura orientar as escolhas das pessoas do segmento em que se enquadra.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

5 de Outubro



Diálogo de dois estudantes universitários:
- Ainda bem que depois de amanhã é feriado!
- A sério? Feriado de quê?
-…

No comment!

Os pantomineiros



Entre outros epítetos, Almada Negreiros apodou Júlio Dantas de pantomineiro. Hoje em dia não deixamos de ter os novos pantomineiros, muito menos literatos, mas de outro tipo. São aqueles que enchem a boca com a defesa dos desfavorecidos da sociedade e que ao mesmo tempo que sugerem uma redução do imposto sobre os rendimentos, se propõem aumentar os impostos indiretos. Isto é uma verdadeira pantominice! Pois alguém acredita que essa gente não saiba que os impostos indirectos têm um carácter regressivo na distribuição do rendimento? Em 2008, Warren publicou “A Review of Studies on the Distributional Impact of Consumption Taxes in OECD Countries”, onde chegou à conclusão de que os impostos sobre o consumo têm maior impacto nos mais pobres, já que estes consomem uma maior percentagem do seu rendimento, pelo que pagam mais impostos sobre o consumo por comparação com o rendimento disponível. À mesma conclusão haviam já chegado O’Donoghue, Baldini e Mantovani em 2004 no estudo intitulado “Modelling the redistributive impact of indirect taxes in Europe: an application of EUROMOD” e a OCDE em 2007 (Consumption Taxes: The Way of the Future?). As esquerdas usam e abusam de uma narrativa assente num suposto compromisso com o povo e os trabalhadores e no combate às desigualdades sociais, mas na prática as suas políticas acabam por prejudicar os mesmos que dizem querer proteger.

Pais, fora da escola!



Desde o início do ano letivo que os funcionários da escola EB1/JI da Portela receberam ordens para não deixarem os pais entrar na escola quando vão buscar os respetivos filhos. Naturalmente, quem diz “pais”, diz avós, tios, irmãos, etc. Medida de todo em todo absurda, já porque o acesso ao portão é em rampa estreita e as pessoas tendem a aglomerar-se à entrada, umas gritando pelo nome da criança assim que a veem aproximar-se, outras gesticulando furiosamente para serem vistas. Para as crianças as coisas também não são fáceis: ficam em magote junto ao portão, ansiosamente escrutinando a massa humana de adultos à sua frente à procura de quem as vai buscar. É, de facto, um espetáculo em certa medida degradante já que ajuda a revelar a (falta de) educação de alguns encarregados de educação. Porém, o que mais me incomoda é o sinal que esta decisão (da diretora da escola, do agrupamento?) dá quanto à vontade de afastar da escola os pais e encarregados de educação em geral. Ou seja, parece que eles não são bem vindos dentro do espaço onde os filhos passam cerca de 8 horas do dia, não podem ali entrar a menos que precisem de tratar de algum assunto específico. Para mim, é um mau sinal quando isso acontece porque se trata de uma escola de 1º ciclo, relativamente pequena, e cujos alunos ainda não têm o grau de autonomia que têm os dos ciclos seguintes. Não me choca nada esperar à porta escola pelo meu filho mais velho que frequenta o 6º ano e compreendo que seria caótico se todos os pais e encarregados de educação ali pudessem entrar no momento da saída. Além disso, ao contrário do que sucede no 1º ciclo, as turmas têm horários diferentes, com tempos de saída parcialmente coincidentes, à exceção da hora de almoço.
Enfim, lá terei de esperar pelos meus gémeos no meio da gritaria e da gesticulação todos os fins de tarde, a menos que alguém repense esta medida e se lembre que o tempo estival não dura para sempre: quando começar a chover, o espetáculo vai ser ainda pior!

Pensamentos (1)



“A tua atenção é desviada para preocupações exteriores? Então, concede-te um espaço de sossego dentro do qual possas aumentar o conhecimento do bem e aprender a refrear a tua inquietação. Defende-te também de outro tipo de erro: a loucura daqueles que passam os seus dias com muita ocupação mas carecem de um qualquer objetivo em que concentrem todo o seu esforço, melhor, todo o seu pensamento.” 

Marco Aurélio, Meditações, Livro 2, 7.